26/11/2024
Por Instituto Sivis
Reproduzido da Carta Capital
Nossa democracia, relativamente recente, ainda convive com uma cultura democrática fragilizada que, em momentos de instabilidade, pode evocar os resquícios da herança autoritária da ditadura militar
Depois de mais de três décadas de redemocratização, a divulgação da minuta do golpe, amplamente repercutida em janeiro de 2023, trouxe novos e graves desdobramentos. Houve o planejamento da execução de um presidente eleito, do ministro do judiciário, e de outras autoridades. Este com certeza é um momento baixíssimo de nossa já fragilizada democracia. A discussão sobre a existência de uma tentativa de golpe de Estado não deveria estar em nossa pauta.
É absolutamente inaceitável que parte de um grupo ligado ao Executivo enxergava a democracia e o sistema político apenas como meios para alcançar o poder, a ponto de planejar um golpe de Estado e a execução de autoridades do país. Havia um evidente desprezo pelos processos democráticos, especialmente em relação à realização de eleições, considerando que, nesse grupo, não havia intenção de respeitar a escolha do povo em 2022.
Felizmente, esse episódio ocorreu em um contexto em que as instituições democráticas, apesar de seus problemas, ainda preservam certo grau de independência, e uma sociedade civil, em sua maioria, reconhece a importância da democracia. Além disso, o fracasso na execução do golpe e dos assassinatos mostra que embora de fato existam pessoas com planos autoritários, não passa de uma minoria que não conseguiu mobilizar os membros da alta cúpula do exército.
Nossa democracia, relativamente recente, ainda convive com uma cultura democrática fragilizada que, em momentos de instabilidade, pode evocar os resquícios da herança autoritária da ditadura militar. Quando olhamos para a opinião pública, dados da pesquisa Valores em Crise de 2021 mostram que, embora boa parte dos cidadãos acredite que a democracia seja o melhor regime, 8 entre cada 10 brasileiros acreditam que a democracia pode ser relativizada em algum grau, ao passo que aceitariam que, em um momento de crise, o governo passasse por cima do Congresso ou das instituições com o objetivo de resolver os problemas e melhorar a vida da população.
Isto posto, percebe-se que os valores democráticos também não são devidamente consolidados dentro da própria população. Se queremos que a democracia brasileira floresça e abandone seu passado autoritário, é fundamental investir em uma educação voltada para a cidadania e para os valores democráticos.
Os últimos acontecimentos atestam os problemas institucionais e culturais de nossa democracia. Ao longo da história da redemocratização, passamos por momentos emblemáticos como a construção da constituição de 1988 e as diversas transições pacíficas de poder. Um golpe de Estado não deveria ser assunto das manchetes nacionais.
Sendo assim, a preservação do Estado Democrático de Direito exige atenção. É essencial que os responsáveis por esse planejamento sejam devidamente investigados e, se culpados, punidos conforme a lei. Para garantir a imparcialidade e a credibilidade do processo, é crucial evitar conflitos de interesse. Nesse sentido, o ministro Alexandre de Moraes, sendo potencial vítima, não deveria ser o relator do caso. Esses cuidados são indispensáveis para assegurar o devido processo legal e evitar que o caso seja comprometido por erros processuais.
Não obstante, é necessário entendermos que os problemas de nossa democracia fragilizada vão além de uma minoria que deseja voltar ao passado da ditadura militar. Há um desafio cultural no qual é necessário fortalecer os valores democráticos de toda a população.
Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-heranca-maldita-da-ditadura-militar-da-as-caras-novamente/. O conteúdo de CartaCapital está protegido pela legislação brasileira sobre direito autoral. Essa defesa é necessária para manter o jornalismo corajoso e transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos