Como enfrentar os perigos do autoritarismo?

A importância da democracia para além das instituições

30/08/2024

Por Sara Clem / Analista de Pesquisa do Instituto Sivis

Reproduzido do Jota

Há alguns anos, o tema da democracia não era algo tão presente na vida cotidiana do brasileiro. Especialmente depois da redemocratização, entre a década de 1990 até o começo de 2010, esse tema talvez estivesse circunscrito aos especialistas. 

Com a mudança no clima político do país a partir de 2013 e no contexto polarizado em que vivemos, a palavra democracia tende a gerar “gatilhos” a partir dos mais diversos significados – por exemplo, o “governo das elites” ou “da burguesia”, “o governo da maioria”, o “regime pelo qual se escolhe os líderes através das eleições”, entre outros. Enfim, diante desse novo cenário, o fato é que atualmente a palavra democracia está cada vez mais presente no debate público.

Realmente, diversos estudos e a literatura em Ciência Política mostram que os cidadãos podem ter entendimentos diferentes sobre o tema. O regime pode ser compreendido em termos minimalistas, no qual a presença de eleições livres e justas, com direitos e liberdades civis assegurados, é o suficiente.

Outra perspectiva concebe a democracia como um regime que deve garantir justiça social, para além dos processos eleitorais. Ou ainda, há aqueles que defendem que a democracia deve ser o regime político mais participativo e deliberativo possível, no qual os cidadãos tenham outros meios além das eleições para influenciarem a política. 

Como vemos, são possíveis diversas visões. No entanto, para que não haja a normalização de sociedades autoritárias, há regras básicas para definir uma democracia. 

Dessa forma, um regime democrático é aquele que provê eleições livres e justas, no qual a oposição pode concorrer livremente, não há a obstrução do sistema eleitoral, há garantias que os resultados das eleições são confiáveis e há a presença consolidada das instituições políticas, realizando sua função de freios e contrapesos. Além disso, há a garantia de direitos e liberdades civis, tais quais liberdade de expressão e imprensa, direito de votar e ser votado, liberdade de associação, liberdade religiosa, entre outros. 

Partindo de tal perspectiva, sem os elementos de eleições livres e justas e garantias de direitos e liberdades civis, não se pode afirmar que há uma democracia de fato. Este é o caso da Venezuela, que recentemente passou por um processo de eleições sem qualquer garantia de que foram livres e justas, inclusive com fortes indícios de atentar contra a integridade física da oposição e demais cidadãos.

A definição de um entendimento básico a respeito do que é a democracia também é fundamental para estudos comparativos sobre regimes políticos contemporâneos, tais quais The Democracy Index, V-DEM, Freedom House, IDEA, entre outros. Essas pesquisas organizam os regimes democráticos através de um espectro, que levam em consideração a presença de elementos democráticos, bem como a saúde deles. 

Isto posto, embora a visão mais minimalista da democracia – que é entendida a partir das instituições e garantia de direitos e deveres – seja importante, há outros elementos que podem nutrir o regime democrático e deixá-lo mais saudável.  Nesse aspecto, a cultura é fundamental, pois está presente no dia a dia, flui nas relações sociais. Portanto, sem uma cultura propriamente democrática, as instituições enfraquecem. 

José Álvaro Moisés, professor sênior de Ciência Política da USP, faz uma analogia: as instituições democráticas, as leis e o processo eleitoral são como hardware, enquanto as atitudes e sentimentos dos cidadãos em relação a essas instituições compõem o software democrático, que assegura o bom funcionamento desse hardware. Assim, a cultura democrática pode ser entendida como o conjunto de crenças, atitudes e normas que fortalecem a democracia.

Em outras palavras, as atitudes em relação à democracia são fundamentais: o nível de participação política e social, a confiança dos cidadãos nas instituições e entre si, o interesse pela política e a adesão a valores como diálogo, tolerância e solidariedade, entre outros, são elementos essenciais para o fortalecimento democrático.

Em 2017 e 2019, o Instituto Sivis – think tank apartidário brasileiro que defende e promove a democracia há mais de uma década –, realizou pesquisas nas cidades de Curitiba e São Paulo, respectivamente, com o objetivo de medir o índice de democracia local. A pesquisa avaliou dimensões como processo eleitoral, liberdades e direitos, funcionamento do governo local, participação política e cultura democrática. Em ambas as edições, os resultados mostraram que os níveis de cultura democrática nas duas cidades são baixos.

Os efeitos da fragilidade da cultura democrática são perceptíveis, gerando impactos na confiança, colaboração e participação dos cidadãos. A baixa confiança no Poder Público ocorre quando as pessoas têm expectativas altas, mas pouco claras sobre os papéis dos poderes Executivo e Legislativo.

Quando essas expectativas não são atendidas, elas perdem a confiança nas instituições, resultando em baixa participação política, pois os cidadãos deixam de se envolver em assuntos públicos. Essa falta de envolvimento também leva à falta de iniciativa, já que as pessoas não se veem como agentes de mudança e desistem de tentar fazer a diferença.

Além disso, a desconfiança entre as pessoas, especialmente aquelas que não se conhecem, cresce, o que enfraquece a interação social e aumenta a intolerância e a falta de empatia. A colaboração, essencial para a transformação social, também diminui, pois, a falta de confiança impede o diálogo e a cooperação, enfraquecendo ainda mais a cultura democrática.

Enfim, considerando os diversos desafios relativos à temática da democracia – especialmente aqueles ligados os perigos do autoritarismo –, é vital que esta seja entendida para além da presença de instituições e processos eleitorais: é imprescindível considerar a importância da dimensão cultural, afinal, uma democracia saudável exige um verdadeiro “estilo de vida” dos cidadãos, através de normas e valores que incluem o exercício do diálogo, da tolerância, da confiança e da colaboração

Leia mais em: https://www.jota.info/artigos/como-enfrentar-os-perigos-do-autoritarismo

 

 

 

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