Forma de governo está estagnada ou em processo de regressão em boa parte dos países, apontam pesquisas
03/07/2024
Por Sara Clem – Analista de pesquisa do Instituto Sivis
A desconsolidação da democracia tem sido alvo de pesquisas há anos. Os especialistas realizam esforços para compreender as principais causas das crises na democracia. Os relatórios de instituições internacionais como IDEA, The Economist Intelligence Unit, V-Dem e Freedom House fazem parte desse esforço.
Ao analisar os quatro principais índices internacionais sobre a democracia, percebe-se que a saúde da democracia mundial não vai bem. Os principais problemas apontados são a ameaça à liberdade de expressão e imprensa e a falta de eleições limpas e justas, pilares fundamentais de uma democracia liberal.
O Índice de Democracia da The Economist Intelligence Unit aponta uma tendência de regressão e estagnação das democracias pelo mundo. O índice avalia, de 0 a 10, cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política e liberdades civis, classificando os países em: democracia plena, democracia falha, regime híbrido e regime autoritário.
Em 2023, a média global caiu para 5,23, em comparação com 5,29 em 2022, de tal modo que somente 7,8% da população mundial vive em uma democracia plena. Todas as categorias tiveram decréscimos, mas as categorias que mais chamam atenção são as do processo eleitoral e pluralismo e liberdades civis, haja vista que são critérios essenciais de uma democracia liberal.
A cultura política e participação política também são importantes, uma vez que através desses elementos que se pode fortalecer uma democracia: quanto mais apoio à democracia e seus valores e mais participação uma sociedade tiver, mais a cidadania floresce.
O relatório da V-Dem também aponta para essa desconsolidação democrática. A organização avalia uma série de indicadores que categorizam os países em democracia liberal, eleitoral, participativa, entre outros. O levantamento indica que durante 15 anos consecutivos há mais países que estão em um processo de autocratização do que em processo de democratização.
A democratização, por sua vez, ocorre somente em 18 países, incluindo o Brasil. A liberdade de expressão é o componente mais prejudicado, apresentando piora em 35 países em 2023. O segundo componente mais afetado são as eleições livres, com deterioração em 23 países e melhora em apenas doze.
Ainda conforme o relatório da Freedom House de 2023, a liberdade pelo mundo regrediu pelo 18º ano consecutivo. A organização avalia cada país em 25 indicadores divididos em duas categorias – direitos políticos e liberdades civis. O total de cada categoria é somado, resultando na classificação do país, como: Livre, Parcialmente Livre e Não Livre. No ano passado, 52 países tiveram um declínio no índice, enquanto apenas 21 melhoraram. O relatório aponta que essa queda se deu pela ameaça ao pluralismo através da violência e da manipulação de eleições. Conforme o relatório, o Brasil ainda é enquadrado como um país livre.
Já a pesquisa realizada pelo International Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) revela uma discrepância entre as percepções dos especialistas e do público em relação ao desempenho das instituições políticas. Enquanto os especialistas tendem a ser mais otimistas, a maioria das pessoas, em diversos países ao redor do mundo, demonstra falta de confiança nas instituições políticas e insatisfação com seus governos. Minorias étnicas, mulheres e grupos de baixa renda tendem a perceber mais obstáculos de acesso e têm visões mais céticas sobre o desempenho institucional.
Um dos principais achados da pesquisa é a falta de confiança nas eleições em muitos países. Por fim, a pesquisa aponta para uma insatisfação generalizada com os governos, com menos da metade das pessoas em 17 dos 19 países expressando satisfação.
O professor José Álvaro Moisés, cientista político e professor sênior da USP explica o contexto da crise democrática e relaciona os decréscimos nos componentes de liberdade de expressão e eleições livres e justas à ascensão de líderes iliberais e populistas:
“As iniciativas de autocratização de muitos países no mundo dão às eleições um caráter instrumental de tal modo que aqueles que estão no poder apoiam as eleições para permanecer no poder, sem dar oportunidades legais e legitimas para que oposição possa alcança-lo, e também utiliza do poder para a manutenção de facções que são ligados a si mesmo.[…] Isso significa uma séria ameaça para que a democracia seja o melhor regime político, em torno do qual a sociedade pode se eximir dos seus conflitos”.
Embora a situação da democracia apresente problemas em pilares fundamentais, como os direitos e liberdades civis e as eleições, os relatórios indicam que as eleições de 2024 podem trazer uma nova esperança para as democracias. No entanto, ao se analisar as recentes eleições mundiais, ainda se observa um alto grau de polarização tóxica e descontentamento dos eleitores com os partidos tradicionais, o que pode levar a uma visão mais extremada e à eleição de líderes populistas, como na Índia e no México.
“É preciso que a estejamos preparados o tempo inteiro para os problemas que a democracia pode ter. Como é o caso do tema da representação política, muitas pessoas na democracia não se sentem representadas e, portanto, elas tendem a desconfiar das instituições, das decisões que os políticos tomam e então ficam longe da política e não participam” destaca o professor Moisés.
Quanto ao declínio da liberdade de expressão e imprensa, é preciso um alerta em relação ao tema. A liberdade de expressão é, por excelência, a liberdade de defesa das minorias. Para uma sociedade plural, em todos os seus sentidos, esse valor é fundamental. Para combater o declínio das liberdades civis e assegurar eleições livres e justas, é essencial fortalecer as instituições democráticas e a confiança popular nelas. Isso inclui garantir a independência do judiciário, a integridade dos órgãos eleitorais e a transparência nos processos governamentais.
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