Uma análise dos principais desafios da democracia global, com destaque para os achados do relatório The Global State of Democracy e suas implicações para o Brasil.
27/09/2024
Reproduzido do Jota
Por Sara Clem | Analista de pesquisa do Instituto Sivis
O relatório The Global State of Democracy, lançado pela International IDEA, em setembro de 2024, apresenta um panorama dos desafios democráticos enfrentados em 2023. O documento destaca como elementos fundamentais da democracia, como a credibilidade das eleições e direitos e liberdades civis, incluindo a liberdade de expressão, sofreram impactos negativos. Em um cenário de crescente incerteza global, devido mudanças climáticas, fluxos migratórios, conflitos crescentes e transformações impulsionadas pela inteligência artificial, a erosão desses pilares democráticos sinaliza uma preocupação significativa para o futuro das democracias ao redor do mundo.
Conforme a pesquisa, em 2023, a credibilidade das eleições piorou em mais de um quinto dos países analisados (39 de 173), comparado a cinco anos antes, em 2018. O engajamento das pessoas nos processos eleitorais também mudou nas últimas décadas: a participação nas eleições tem diminuído, enquanto o número de protestos e distúrbios aumentou.
A democracia continuou sua queda em 2023, os impactos mais acentuados foram observados nos indicadores de Representação (eleições confiáveis e parlamento eficaz), e Direitos, como igualdade econômica, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. O relatório chama atenção ao fato que em 2024, cerca de 3 bilhões de pessoas já foram ou irão às urnas, e um em cada três eleitores votará em países onde a qualidade das eleições é significativamente pior do que há cinco anos.
No que diz respeito a análise do continente americano, embora muitos países continuem a apresentar um desempenho relativamente forte no indicador de Representação, alguns líderes têm utilizado seu poder para restringir direitos e liberdades civis. Um exemplo é El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele tem enfraquecido sistematicamente os freios democráticos ao poder, no qual a independência do judiciário tem sido um dos grandes problemas.
Já a respeito do Brasil, conforme o relatório, o país apresentou um desempenho elevado em duas categorias do índice sendo a Representação e Participação, esta última leva em consideração indicadores como participação eleitoral e sociedade civil. No entanto, o país fica na faixa intermediária em Direitos e Estado de Direito. De acordo com o relatório, o país está entre os 25% melhores em vários fatores e em todas as categorias do framework. Além disso, a pesquisa destaca a atuação do Judiciário no enfrentamento às ameaças à confiança no sistema eleitoral brasileiro, especialmente em relação à desinformação, elencando diversas ações dos Judiciário nesse sentido.
O relatório oferece uma perspectiva otimista no caso do Brasil, destacando a atuação do Judiciário na proteção da integridade eleitoral e no combate a desinformação. No entanto, como já mencionado em outros textos deste espaço, como “A Liberdade de Expressão vai bem no Brasil?”, o ativismo judicial pode ter impactos negativos a longo prazo, comprometendo o equilíbrio entre os poderes e afetando direitos fundamentais como a liberdade de expressão e imprensa.
A situação da democracia mundial, especialmente em um ano eleitoral, parece incerta diante dos diversos desafios contemporâneos. Os países, em média, têm apresentado baixo desempenho nos principais indicadores relatados pela pesquisa, o que reforça a necessidade de atenção, especialmente em relação às eleições limpas e justas. Diante disso, a democracia brasileira tem pontos positivos, como uma participação mais latente da sociedade civil e eleitoral, e, embora o relatório tenha apontado como positiva algumas das recentes ações do judiciário, é necessário um olhar mais cuidadoso nesse aspecto, especialmente no que diz respeito a saúde do funcionamento dos freios e contrapesos e em atitudes contra a liberdade de expressão.
Leia mais em: https://www.jota.info/artigos/democracia-em-tempos-de-incerteza