30/09/2024
Por Jamil Assis | Diretor do Instituto Sivis
Reproduzido do Le Monde Diplomatique Brasil
Uma pesquisa recente do Datafolha sobre o pleito municipal em São Paulo fez com que algumas pessoas se manifestassem para afirmar que a polarização no Brasil não é tão profunda quanto costumamos crer. O levantamento mostrou que muitos eleitores consideram um candidato de diferente espectro político como segunda opção de voto. Guilherme Boulos (PSOL), de esquerda, aparece como alternativa válida para parte dos que se dizem decididos a escolher Ricardo Nunes (PMDB), apoiado por Bolsonaro – e vice-versa. Para alguns, essa seria uma evidência de que a sociedade não está tão fragmentada quanto tendemos a acreditar.
No entanto, devemos lembrar que há mais de um tipo de polarização. A polarização política se refere às preferências por ideologias, partidos e candidatos, enquanto a afetiva diz respeito a sentimentos profundos de aversão ou desconfiança em relação àqueles com opiniões opostas. Mesmo onde a escolha nas urnas parece menos dividida, portanto, a polarização afetiva pode, sim, estar presente.
Antes do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, uma pesquisa da Genial/Quaest indicou que 33% dos eleitores de um candidato e 41% dos do outro ficariam insatisfeitos se um filho se casasse com alguém que apoiasse o rival. São números que demonstram a polarização afetiva em ação: ela permeia emoções e percepções para infiltrar divisões políticas na vida privada. Ignorar esse fenômeno é arriscar a saúde democrática.
Em 2023, o Edelman Trust Barometer posicionou o Brasil como o sétimo país mais polarizado entre 28 avaliados. Tal visão é compartilhada pela população: em levantamento da Genial/Quaest feito em fevereiro daquele ano, 83% dos entrevistados afirmaram que o país estava mais dividido que no passado.
Um exemplo atual da intensificação da polarização afetiva é o cenário da ascensão de Pablo Marçal na corrida à prefeitura de São Paulo. Com seu discurso agressivo, desvinculado de propostas, ele mobiliza uma base inflamada e alimenta a aversão e a desconfiança entre diferentes grupos. (O resultado da já mencionada pesquisa do Datafolha, aliás, pode ser uma simples consequência de sua rejeição por parte dos eleitores.) Ao mesmo tempo, a cadeirada que Marçal levou do também candidato José Luiz Datena durante debate televisivo provocou aplausos de seus detratores – uma amostra de que a violência política, consequência da polarização afetiva, vem sendo legitimada pela sociedade.
A democracia se sustenta tanto na escolha de representantes quanto na capacidade dos cidadãos de dialogar e conviver com divergências. Gritos, xingamentos e cadeiradas, assim como a normalização desses atos, são reflexos diretos de uma polarização que afeta todas as pessoas em diferentes contextos.
“O Brasil Fala”, iniciativa conduzida pelo Instituto Sivis em parceria com a organização alemã My Country Talks e pesquisadores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, tem como objetivo enfrentar a polarização afetiva promovendo conversas entre brasileiros de diferentes opiniões políticas. Participantes relatam que, após os diálogos, se sentem mais abertos a compreender perspectivas distintas e menos propensos a estereotipar o outro. A empatia e disposição para colaborar aumentam em ambientes seguros e receptivos.
Fomentar espaços de interação respeitosa é fortalecer o tecido social e contribuir para uma democracia mais robusta – para além do voto.
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