Projeto ‘O Brasil Fala’, do qual o ‘Estadão’ é parceiro, tenta reduzir a surdez cívica
23/06/2024
A interdição do debate público pela polarização política não é uma sentença definitiva imposta à sociedade brasileira. Assim pode parecer dada a “calcificação”, na expressão de Felipe Nunes e Thomas Traumann no livro Biografia do Abismo, de posições aparentemente irreconciliáveis entre lulistas e bolsonaristas. Mas há meios de promover o reencontro entre concidadãos que têm opiniões políticas distintas – e não necessariamente para fazê-los mudar de ideia, mas para ao menos estimulá-los a ouvir seu interlocutor.
O Estadão, em parceria com a revista Carta Capital, o jornal Gazeta do Povo e o portal jurídico Jota, aderiu, como parceiro de mídia, a uma dessas iniciativas – o projeto “O Brasil Fala”. Conduzido no País pelo Instituto Sivis, “O Brasil Fala” tem o objetivo de conectar indivíduos politicamente antagônicos e, assim, furar as chamadas bolhas digitais. Como se sabe, estas funcionam como câmaras de eco, reverberando entre os usuários das redes sociais apenas as mensagens que reforçam as suas opiniões e visões de mundo, não raro contrárias à verdade dos fatos.
Isso acontece porque a lógica dos algoritmos das redes sociais é sabidamente comercial, não democrática nem tampouco fiel à realidade factual. De modo que o objetivo primordial das empresas de tecnologia é promover conteúdos que mantenham os usuários conectados pelo maior tempo possível, particularmente envolvidos em discussões que reforcem as diferenças que há entre eles, não as convergências. Em outras palavras: no ambiente digital, a discórdia dá muito dinheiro.
“O Brasil Fala” é uma chance para o diálogo, húmus do desenvolvimento de qualquer sociedade. “Nosso objetivo é trazer esperança às pessoas, mostrando que é possível dialogar com o outro lado, em vez de apenas acusá-lo”, disse ao Estadão Jamil Assis, diretor de Relações Institucionais do Instituto Sivis.
Do ponto de vista prático, “O Brasil Fala” promoverá o diálogo entre pessoas em lados opostos do espectro ideológico por meio de chamadas de vídeo em uma plataforma digital. Os resultados do mesmo projeto na Alemanha, nos Estados Unidos e na Tailândia mostraram que essa ponte virtual entre indivíduos politicamente adversários foi capaz de lhes mostrar que compartilham muito mais interesses do que suas preconcepções faziam parecer.
No Brasil, a Fundação Fernando Henrique Cardoso promoveu iniciativa semelhante, o “Fura Bolha”, entre 2018 e 2022. Durante quatro anos, a entidade reuniu personalidades conhecidas por enxergarem o País e o mundo de forma diferente. Restou claro nesses diálogos que a eventual convergência é sempre bem-vinda, mas não necessariamente mandatória. Mais importante foi a abertura ao diálogo, sem o qual, não é demais reforçar, não se pode chegar à concertação civilizada entre interesses divergentes e, consequentemente, interdita-se a política.
É hora de curar essa espécie de surdez cívica, este, sim, um grande problema para qualquer grupo social, em qualquer país do mundo, e não a discordância entre as pessoas.
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