31/12/2024
Por Sara Clem | Analista de pesquisa do Instituto Sivis
Reproduzido da Gazeta do Povo
O ano de 2024 foi marcado por diversos acontecimentos importantes para a democracia brasileira. No fim das contas, qual é o balanço? Com as eleições municipais e a polarização afetiva ainda em evidência, e a falta de comprometimento com os valores democráticos por parte das instituições, fica claro que a democracia brasileira tem enfrentado sérios desafios.
No que diz respeito às eleições municipais, embora o processo eleitoral tenha ocorrido com êxito e os principais índices de democracia apontem para a integridade do sistema eleitoral brasileiro durante os anos, no âmbito cultural observa-se um crescente desânimo entre os eleitores em relação aos líderes apresentados como alternativas viáveis. Esse desânimo ficou evidente nas altas taxas de abstenção registradas em algumas capitais e na intensa polarização dos debates, especialmente no primeiro turno.
Esses fatores indicam um cenário de desconfiança e uma possível retração na mobilização eleitoral, destacando o desafio de engajar a população em um processo político cada vez mais complexo e fragmentado. Além disso, episódios de violência política marcaram o primeiro turno das eleições, reforçando a falta de diálogo e tolerância no ambiente político.
No que se refere ao desempenho das instituições, percebe-se que nem sempre há um comprometimento pleno com valores democráticos fundamentais, como a transparência e a liberdade. A situação da Venezuela ilustra bem esse ponto. Governos que realmente defendem os princípios democráticos não podem demorar tanto tempo para reconhecer que as eleições venezuelanas foram fraudulentas.
Embora o Executivo brasileiro tenha seguido as regras do jogo democrático no contexto interno, a demora em reconhecer a fraude e declarações que normalizam as eleições venezuelanas revelam uma preocupante relativização de princípios essenciais à democracia, como a garantia de eleições livres e justas.
Neste mesmo sentido, o crescente ativismo judicial dos últimos anos tem colocado em risco valores fundamentais como a transparência e a liberdade. Ministros têm sido acusados de usar o Judiciário de forma arbitrária, desrespeitando o devido processo legal para perseguir opositores. Outro exemplo foi a suspensão da plataforma X durante as eleições, que evidenciou decisões extremadas, como a aplicação de multas pelo uso de VPNs, resultando no silenciamento de parte do debate público na rede.
Além disso, as tentativas do Judiciário de regulamentar as plataformas sociais, ainda que fundamentadas no combate à desinformação — um desafio real para a democracia — muitas vezes carecem de respeito à liberdade de expressão. Como evidenciado no julgamento da constitucionalidade do Artigo 19, algumas falas demonstram uma falta de compreensão sobre o que a liberdade de expressão realmente significa.
Esses exemplos mostram o Judiciário, muitas vezes, tentando assumir o papel de um Legislativo omisso. A falta de apreço pela liberdade de expressão, podem abrir espaço para censura prévia e para o silenciamento de vozes dissidentes, que são legítimas e essenciais para a democracia.
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