Capital Social: como a colaboração enriquece indivíduos e sociedades – Giro Sustentável

Por Instituto Sivis
Publicado em: Giro Sustentável

“País rico não é onde pobre anda de carro, é onde rico anda de transporte público.” Essa frase, citada em colunas de jornal e em cartazes durante os protestos de 2013, circula pela sociedade brasileira. Afinal, basta olhar para cidades mundo afora: Berlim, Nova Iorque e Sydney são exemplos de urbanização centrada no transporte público de qualidade. No Brasil, essa ideia recebe críticas e reviradas de olhos: afinal, muitos daqueles que lidam com a recorrente imprevisibilidade, o desconforto e a longa duração dos traslados no transporte público buscam, um dia, escapar disso tudo no próprio carro. É fácil valorizar o transporte público em países com os recursos para manter ônibus e metrôs de qualidade. “Quando o Brasil tiver trem-bala,” argumenta-se, “aí abandonamos o conforto, a praticidade e a conveniência de nossos carros”.

Essa percepção equivocada, contudo, pressupõe  que a habilidade de compartilhar recursos é consequência de uma riqueza pré-existente, e que só os países ricos possuiriam esse luxo. Por que valorizar o transporte público das nossas cidades se ele é ruim? Afinal, somos merecedores do transporte ideal, aquele que percorre as ruas da Dinamarca e da Alemanha. O problema com esse raciocínio é que ele inverte a realidade. Países ricos não possuem instituições invejáveis porque são ricos; ao contrário, são ricos justamente por terem desenvolvido as capacidades sociais que tornam suas instituições invejáveis.

Quais são essas capacidades sociais? Economistas chamam a habilidade de se organizar socialmente para resolver problemas coletivos de capital social. A confiança interpessoal e a colaboração são atitudes que produzem o capital social, na medida em que ao confiarmos mais uns nos outros, abrimos espaço para a co-criação de projetos e soluções para problemas comuns.

É claro que é mais fácil confiar nos outros em países onde não há violência urbana ou corrupção. Verdade. Porém, ao mesmo tempo, segundo estudiosos de confiança como Russell Hardin, a principal fonte de confiança ao redor do mundo não é a riqueza: é a percepção de que outros compartilham de nossos interesses. O Brasil reporta os níveis mais baixos de confiança social do mundo, algo decorrente de uma mentalidade que incentiva que cada um “garanta o seu”. O problema é que, quando todos buscam tirar vantagem para o ganho individual, as pessoas deixam de colaborar entre si, o que impede a criação de riqueza compartilhada. Assim, enquanto todos estão preocupados tentando “garantir só o seu”, todos saem perdendo.

A despeito desse cenário de desconfiança, proliferam no Brasil diversas situações de colaboração. Embora o Brasil ocupe a 65ª posição entre 149 países no ranking mundial de capital social, isso não significa a ausência do capital social na sociedade brasileira. Cooperativas agrícolas, organizações de bairros e projetos coletivos como o Cidade Modelo, realizado em Curitiba, são exemplos de redes associativas organizadas em prol de objetivos comuns. Esses exemplos demonstram que, embora o brasileiro reporte altos níveis de desconfiança, a confiança exerce um papel fundamental na vida diária dos brasileiros: quando pegamos ônibus, quando usamos um aplicativo de serviços compartilhados ou quando participamos de projetos coletivos.

Se o brasileiro confia o suficiente para sustentar esse cenário vibrante de cooperação, por que não valorizamos mais a confiança e a colaboração? A mentalidade de que confiar é “ser trouxa”, de que isso nos deixa na desvantagem, é, muitas vezes, equivocada. Ao contrário, essas atitudes podem ser fontes de grande prosperidade, como demonstram os países desenvolvidos que possuem altos níveis de capital social. Assim, país rico é aquele em que todos colaboram e compartilham recursos, como o transporte público. Ao valorizar a colaboração que já está presente em nossas vidas diárias, o compartilhamento de recursos alavanca o capital social e potencializa as capacidades coletivas para enfrentar desafios comuns.

[1] Artigo escrito por Luiza Leão. Formada em ciência política pela Universidade de Columbia, Nova Iorque, e pesquisadora do Instituto Sivis.



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