Da necessidade urgente de fortalecer a cultura democrática

Por Instituto Sivis

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro tem repetido suas investidas contra instituições e procedimentos democráticos. Os fatos mais recentes são amplamente conhecidos, a exemplo da participação em manifestações pedindo a volta do Ato Institucional nº 5 (AI-5) e contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional, bem como a intervenção na Polícia Federal com objetivo de interferir em investigações, que culminou no pedido de demissão do então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Os dois acontecimentos se somam a outras atuações com inclinações autoritárias por parte do presidente, de forma que parecem não mais produzir o devido rechaço.

Passado o espanto das declarações feitas por Bolsonaro na frente do Quartel General do Exército e do Palácio da Alvorada, ou do relato de Moro sobre as interferências no Ministério da Justiça, o cenário parece caminhar para uma acomodação. O apoio do presidente junto da população não parece ter sofrido abalos significativos. Mais que isso, o governo Bolsonaro passa a utilizar de expedientes fartamente criticados pelo presidente e por seus apoiadores anteriormente, a exemplo de composição com os parlamentares do chamado centrão, na busca de restaurar a governabilidade por meio de relações fisiológicas. Assim, a “nova política” recorre aos expedientes que prometia encerrar, aliando-se aos mesmos políticos condenados ou investigados por corrupção em governos anteriores.

Um país não chega a esta situação sem que haja responsabilidade de toda a sociedade e do campo político. Apesar do consenso de boa parte da nação de que tentativas de desgaste do regime democrático sejam inaceitáveis, é evidente a necessidade de aprofundar uma cultura política condizente com a democracia para assegurar que nenhum movimento com potencial para erodir a democracia obtenha sucesso. Apenas déficits severos na cultura democrática permitem a sucessão de acontecimentos que estamos testemunhando – e não há saída do ciclo vicioso sem transformação substantiva na cultura política, tornando-a a mais democrática possível.

Neste sentido, os dados do Índice de Democracia Local (IDL), desenvolvido pelo Instituto Sivis e aplicado em São Paulo no ano passado, indica que 52,8% dos paulistanos que expressam preferência pela democracia aceitariam relativizar o regime em situações de crise. Os acontecimentos atuais são ilustrativos de tal resultado, indicando os impactos perigosos da combinação de baixos níveis de cultura democrática com líderes dispostos a testar os limites do regime.

Os prejuízos gerados por tal combinação atingem aspectos diversos da vida em sociedade. Associa-se o desprezo pelo Estado de Direito com um ambiente de obstrução ao debate e às críticas naturais de uma democracia. O processo paulatino de construção de inimigos, que não hesita em apresentar as instituições fundamentais para o equilíbrio dos Poderes nesta posição, tende a acentuar déficits recorrentes na democracia brasileira, elevando seu desgaste até níveis inaceitáveis.

O Instituto Sivis entende a democracia como um sistema complexo, que é influenciado pelo papel fundamental e indispensável desempenhado pelas instituições. Considerar apenas a dimensão institucional, todavia, é insuficiente para explicar e transformar as características de nosso regime político. Por isso, é imperativo o desenvolvimento de uma cultura verdadeiramente democrática.

A construção da cultura democrática depende, portanto, do compromisso de toda a população. Neste sentido, é fundamental que as elites políticas, econômicas, acadêmicas e midiáticas do país cerrem fileiras em defesa da democracia, somando forças para a preservação do Estado de Direito, de forma a reforçar um sentimento que se espalhe para a sociedade de forma geral. Indivíduos em posições de liderança não têm a opção de se omitir da construção de um país mais democrático, especialmente em situações de agravada crise política, econômica e de saúde pública como a que o Brasil enfrenta no momento.

A contenção de ameaças de erosão democrática e a inviabilização de outras intenções semelhantes no futuro pode ser atingida apenas dentro da própria democracia e com respeito ao Estado de Direito. Este movimento passa por uma mudança de mentalidade dos cidadãos brasileiros em relação à política e ao sistema político, de forma que não reste espaço para aventuras que coloquem em risco o regime democrático. Apenas a democracia permite o pleno florescimento dos cidadãos e o desenvolvimento de uma nação, enquanto assegura o respeito à dignidade intrínseca a cada indivíduo. Não há caminho para um país mais próspero e colaborativo fora do regime democrático e, para preservá-lo e aprofundá-lo, o comprometimento de toda a sociedade é imprescindível.

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