Liberdade de expressão: as consequências da polarização tóxica

 Posições divergentes sempre marcaram a política na história. Entretanto, a polarização tóxica se apresenta como um fenômeno contemporâneo que está deteriorando as democracias ao redor do globo, sejam novas ou de longa data.

A crescente polarização tóxica desencadeia alguns sintomas nos regimes democráticos, como a radicalização e o desestímulo a posicionamentos mais moderados. Em eleições, por exemplo, partidos mais moderados tendem a se tornar mais radicais para conseguirem concorrer com as candidaturas de oposição. Isso também afeta grupos e movimentos políticos que também cedem à pressão ao radicalismo para não se enfraquecerem politicamente ou até mesmo deixarem de existir.

Do ponto de vista da cultura democrática, a confiança interpessoal também é duramente afetada pelo radicalismo, uma vez que uns passam a ver aqueles com opiniões diferentes das suas como adversários. A constante suspeita com quem pensa de forma diferente resulta no desinteresse em colaborar e identificar objetivos comuns, o que prejudica a capacidade da sociedade de endereçar, de forma coletiva, seus problemas. A desconfiança institucional também se intensifica, já que processos e legislações passam a ser contestados e descredibilizados por críticas que se colocam muitas vezes desacompanhadas de dados e proposições construtivas para aperfeiçoamento.

A desconfiança interpessoal e institucional repercute também em outros valores democráticos, como a liberdade de expressão. Segundo a pesquisa “A primeira liberdade em debate: Perspectivas da população e do Congresso Nacional sobre a liberdade de expressão no Brasil”[1], realizada pelo Instituto Sivis, 33,6% das pessoas preferiram não se posicionar no espectro político. Esse dado nos leva a refletir sobre quais razões levariam um terço das pessoas a assinalaram “não sei” ou “não quero responder” quando são perguntadas sobre seu posicionamento. Diante da crise de confiança do momento em que vivemos, o medo de se manifestar ou apatia com relação à política poderiam ser consideradas razões que expliquem esse dado.

Ao situar e encarar esse problema, buscamos compreender então o que está em nossas mãos para conseguirmos fortalecer a cultura democrática por meio do diálogo saudável, de forma a contribuir para as tomadas de decisão e cooperação, tanto em nossos cotidianos, quanto em ambientes institucionais da política. Identificamos dois elementos que podem ser úteis na prática do diálogo.

O primeiro elemento consiste em observar quais são as percepções sobre a forma de se expressar e manifestar ideias. Essas percepções foram exploradas na pesquisa “Free Speech and Inclusion: How College Students are Navigating Shifting Speech Norms”[2], realizada pelo Instituto do Diálogo Construtivo e pela organização More in Common. O estudo foi realizado com estudante universitários e, dentre outras perguntas, questionou-se sobre o que é mais importante quanto se dá uma opinião, a intenção de quem fala ou impacto que suas palavras têm em outras pessoas. Como resultado, identificou-se que houve percepções distintas do que é mais importante ao se expressar. Estudantes que se identificaram com um posicionamento mais conservador tendiam a enfatizar mais a importância da intenção, enquanto estudantes que se declaram liberais enfatizaram a maior importância sobre o impacto daquilo que é dito. Dessa forma, uma vez que há percepções distintas sobre o que é importante ao se manifestar e conduzir uma troca de ideias, observar e estar consciente desse elemento logo de partida, pode evitar desgastes e desentendimentos pelas partes envolvidas no debate.

Um segundo elemento poderoso na prática do diálogo é o uso da informação correta. Embora a importância desse elemento seja frequentemente reforçada, a pesquisa “A primeira liberdade em debate: Perspectivas da população e do Congresso Nacional sobre a liberdade de expressão no Brasil”, observa que existe um desalinhamento sobre o que é liberdade de expressão e a respeito do que é proibido ou não por lei no que tange a esse tema.

Dois principais exemplos podem ser utilizados para elucidar tal problema. O primeiro é em relação as garantias constitucionais relativas à liberdade de expressão no Brasil. A pesquisa mostra que 51,6% da população erroneamente avalia que, segundo a Constituição brasileira, a manifestação do pensamento nem sempre é livre. Essa afirmação é falsa, uma vez que, de acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso IV, a manifestação do pensamento é livre, mas a identificação dos indivíduos é necessária.

Ainda no que se refere à opinião da população sobre situações específicas, solicitamos aos entrevistados que avaliassem algumas afirmativas, informando se elas são proibidas ou permitidas pela legislação brasileira, a exemplo: defender que o STF está prejudicando a democracia. Nesse caso, 35% da população acredita que é proibido, enquanto 37% acreditam que não é proibido. Dado que a crítica é expressão protegida e, não caindo em ofensas aos bens personalíssimos (honra, por exemplo), está dentro daquilo que é legítimo defender em uma democracia, esse cenário traz um panorama sombrio para a democracia brasileira, haja vista que, para parcelas expressivas da população, não há clareza sobre os limites existentes entre o exercício de um direito fundamental e o cometimento de crimes perante a lei brasileira.

Portanto, dado um cenário de alta polarização tóxica, de desconhecimento e confusão em relação às garantias da lei sobre liberdade de expressão, é vital o fortalecimento de uma cultura democrática que vise a promoção de diálogo, de conhecimento sobre os valores democráticos e confiança interpessoal e institucional.

 

 Referências

[1] Disponível em: https://sivis.org.br/wp-content/uploads/2023/11/Relatorio-A-Primeira-Liberdade-em-Debate.pdf

[2] Traduzido para Língua Portugesa como “Liberdade de expressão e inclusão: como os estudantes universitários estão navegando nas mudanças nas normas de fala”. Disponível em: https://www.moreincommon.com/media/4dnlnke5/free-speech-and-inclusion-how-college-students-are-navigating-shifting-speech-norms-findings-summary_9-20.pdf

 

 

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